sábado, 23 de novembro de 2013

Jesus de Nazaré, Rei do Universo?



Neste fim de semana se comemora uma festa tradicional, mas não original ao projeto de Jesus de Nazaré: Jesus, Rei do Universo. Sabendo disso, quero aqui refletir um pouco sobre o sentido dado ao termo Rei, quando o mesmo tenta se referir a Jesus na Sagrada Escritura. Além disso, quero salientar que o projeto do Reino de Deus não visa criar um Rei, cuja realeza imponha o serviço e obediência (sendo-lhe lícito condenar), mas antes uma família de amor, cujo Pai/Mãe vive intensamente uma relação de amor e familiaridade, acolhendo e protegendo todos(as) os(as) filhos(as) – sem exceção.
Quanto ao termo Rei, posso atestar que Jesus não se proclama como Rei em nenhum momento na Sagrada Escritura – nem mesmo ao Pai, Ele aplica este termo. Jesus afirma o Reino de Deus, mas não afirma nem a si e nem ao Pai como reis. Provavelmente, esteja remetendo às origens do povo judeu, que é condenado pelos profetas quando escolhe um rei para o si (Samuel contragosto consagra Saul como o Rei de Israel – Cf. I Sam 8). Podemos ainda observar que todas as vezes que Jesus foi chamado de Rei nos Evangelhos foi como uma forma de humilhação. Inclusive, o evangelho desse fim de semana (Lc 23, 35-43) deixa claro que o termo “rei”, quando aplicado a Jesus, é feito em forma de humilhação: “Se tu és o rei dos judeus, salva a ti mesmo! Acima dele havia um letreiro: Este é o Rei dos judeus”. Jesus tem como meta trazer para a humanidade um Reino que tenha o serviço como projeto e não uma soberania absoluta.
Ressalto ainda que o Jesus humano e simples, mesmo diante de toda essa humilhação, foi capaz de acolher o outro na fidelidade e amizade. Encanta-me o texto, porque não há um pedido de perdão, mostrando que a meta de Jesus não é fazer um joguinho mercantil de “salvo, você pede perdão e eu lhe perdoo!” A salvação é dada sem nenhuma cobrança ou esperança de ações corretas. Jesus já garante que todos são amados e salvos por Deus. Este não se sente no direito de condenar eternamente alguém por um ato temporal, mas se dá o direito de amar a todos como seus(suas) amados(as) filhos(as) que são dignos(as) de viver a eternidade das alegrias do banquete do Pai. É interessante observar que o ladrão não nega sua condição de ladrão, mas antes a assume e confia-se a Jesus: “lembra-te de mim!” Percebo aqui o Jesus que acolhe, ama e anuncia a salvação das prostitutas, dos pagãos, dos hereges, dos amasiados, dos homoafetivos etc. (Conforme salientei a santidade destes no texto anterior). E, ao mesmo tempo, Jesus expressa a calúnia que os “profissionais do sagrado” têm o costume de fazer ao proclamar Jesus como um rei manipulador que quer julgar e condenar os que deseja – que seria uma injustiça, contrária ao projeto de ser o Justo Deus.
Finalmente quero dizer que Jesus não é Rei e nunca pretendeu sê-lo, nem de Israel nem do Universo. Seu sonho é um Reino de Amor, que é Deus (Cf. I Jo 4,13). Reinar para Jesus se associa a sofrer, padecer, receber espinhos como coroa, ter títulos que humilham e ser humilhado por “profissionais do sagrado” e seus guerrilheiros. Infelizmente, na história da fé cristã, muitos “santos” fizeram de Jesus seu Rei absolutista, representado por pontífices esfomeados de poder. Estes motivavam guerras tidas como “santas” e até mesmo inquisições assassinas. Por isso, sinto-me motivado a dizer contra essa mentalidade de Jesus como Rei oligarca e junto com Frei Marcos: “O reinado de Cristo é um reino sem rei, onde todos servem e todos são servidos.”
Portanto, tenho a alegria de dizer que o Reino de Deus não é um reino institucional e burocrático, mas um Reino do serviço, do amor familiar e acolhedor dos excluídos: “No Pai-Nosso, dizemos: "Venha o vosso Reino", expressando o desejo de que cada um de nós façamos presente a Deus como a seu Filho Jesus. E todos sabemos perfeitamente como atuou Jesus: a partir do amor, da compreensão, da tolerância, do serviço. Todo o resto é discurso. Nem programas, nem doutrina, nem ritos servem para nada, se não entramos na dinâmica do Reino” (Frei Marcos).


JACKSON DE SOUSA BRAGA
Sem Rei e com o irmão Jesus
 23 de novembro de 2013.


domingo, 3 de novembro de 2013

“Sede Santos como vosso Pai celeste é santo” (Mt 5, 48)...



No Brasil, além do dia 1º de novembro, comemoramos o dia de todos os santos também no domingo que segue a tal data e fiquei pensando nos muitos modelos de santos e pessoas justas que temos – inclusive lembrei do poema de João Paulo II sobre os santos de hoje. Diante dessa lembrança, tenho a alegria de refletir um pouco hoje sobre os nossos santos de hoje, dado que a festa de todos os santos lembra-nos praticamente das pessoas que viveram intensamente o existir nessa história e agora vivem a ressurgir na eternidade de nossas memória (lembrando-me da bela reflexão de meu amigo Juliano). Nestas breves palavras, quero falar de muitos e tantos santos que hoje não têm a dignidade dos altares, mas que fazem de suas vidas uma santidade que quiçá seja maior do que a dos que estão nos altares sendo venerados.
            Quero lembrar-me aqui de alguns santos que não entram em padrões da santidade que a sociedade e as instituições religiosas têm, mas dos tantos humanos de nosso dia-a-dia, amantes radicais do ser humano e viventes intensos do amor ao outro que de tanta intensidade seria ingratidão de nossa parte negar-lhes a graça de estar contemplando o Sendo Àquele que Sendo (Ex 3,14).
            Um dos grupos de santos que muitos conhecemos são as pessoas que se encontram e trabalham em casas de prostituição. As religiões infelizmente santificam de forma exagerada a virgindade e o celibato como algo que nos aproxima de Deus e por isso as prostitutas (os) não entram nos altares para serem lembradas e veneradas. Contudo, se observarmos, perceberemos que essas pessoas sofrem as dificuldades da existência, amam os próximos excluídos e marginalizados (inclusive vivem e estão com eles), ouvem e ajudam às pessoas que lhes procuram e sacrificam seus corpos intensamente, completando em sua carne o que falta ao sacrifício de Cristo pelo seu corpo (Col 1, 24). Lembro-me aqui de tantas dessas pessoas que se aproximam de Deus e são acusadas pelos olhares condenadores dos muitos profissionais do sagrado que primam pela percepção do pecado e não pelo amar intenso de Jesus . Por isso, quero dizer, com a confiança de um devoto: “SANTAS(OS) PROSTITUTAS(OS), ROGUEM POR NÓS!”
            Outro grupo que é exageradamente excluído da dignidade dos altares é o grupo dos homoafetivos. O papa Francisco foi muito feliz em suas palavras quando questionou: “Se uma pessoa gay quer procurar Deus, quem sou eu para negar-lhe?” Sabemos, porém, que a dignidade dos altares é negada a essas pessoas que amam aos iguais como iguais, que sentem-se diferentes junto com os diferentes... Seria um pecado não citar o grande amor que esses dignos filhos(as) de Deus têm pelos seus irmãos, irmãs: já os vi a cuidar dos projetos da fé, dos templos e a doarem seus dons em prol da causa de que são excluídos e muitas vezes marginalizados, pelos mesmos muitos profissionais do sagrado que manipulam o poder das instituições religiosas (muitas vezes, nem lhes permitem a recepção do corpo e sangue de Cristo). Além disso, não deixo de lembrar aqui dos muitos projetos que tentam tratar-lhes como doentes ou dotados de “desvio conduta”. Mas, diante dessas palavras, só posso me lembrar das palavras de Cristo: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultais, porque será grande a vossa recompensa nos céus." (Mt 5, 11-12)... Sendo assim, só posso dizer: “SANTOS(AS) HOMOAFETIVOS(AS), ROGUEM POR NÓS!”
            Um terceiro grupo de pessoas que são excluídas da dignidade dos altares são os tidos como Hereges, excomungados, contra-doutrina etc. Infelizmente, as instituições religiosas são, na grande maioria dos casos, excessivamente doutrinárias e pouco dialógicas. São como soldados ferozes da defesa, que não se abrem para ouvir e ser ouvidos, mas antes são defensores de suas crenças. E todos que escapam delas, são tidos como ex-comungados ou são silenciados (lembro-me aqui de Bruno, Lutero, João Calvino, Galileu...). A santidade dessas pessoas é destaca quando somente se aponta os suas posições contra-doutrinárias e não as ótimas ideias e até mesmo reflexões além-de-seus-tempos que elas doaram a humanidade de suas épocas... lembro-me aqui do momento mais importante para perceber o Jesus ruptor que com toda certeza foi o maior artista de ruptura de todos os tempos: “Ouviram o que foi dito... Eu, porém vos digo...” (Mt 5, 27-28) Por isso, digo com fé: “SANTOS(AS) ALÉM-DOUTRINA, ROGUEM POR NÓS!”
            Um quarto grupo de santos que creio que está nos céus é o das pessoas em segundo casamento (amasiadas). A estas pessoas são negados inúmeros sacramentos, ou melhor falando, só lhes permitem receber o sacramento da penitência – são consideradas somente como pecadoras e é-lhes negada a graça da comunhão do corpo e sangue de Cristo e dos demais sacramentos da Igreja. Podemos perceber que o sonho dessas pessoas é a felicidade de seus irmãos (ãs) no amor e não a fuga da experiência de compromisso para com os outros. Infelizmente, a manipulação do compromisso matrimonial pelas instituições religiosas fez com as estas tornassem o matrimônio como outra instituição que é regida por leis excessivamente rígidas, as quais são pouco preocupadas com os casos particulares. Pelo sacrifício que estas pessoas fazem, mesmo sem culpa e pecado algum, posso dizer: SANTOS(AS) AMASIADOS(AS), ROGUEM POR NÓS!
            Inevitavelmente, esses não são os únicos santos fora dos altares e que, provavelmente, não terão lugares nos tronos dos templos religiosos, mas falei desses grupos, pois nunca vi sua lembrança nos dias dos santos. Sei que nem todos são santos – tanto no grupo dos santos reconhecidos (“santos inquisidores”, “santos reis de guerra”, santos membros de instituições que criaram leis para oprimir os outros, etc.), bem como no grupo dos santos além-institucionais ( existem os que são da prostituição e exploram as pessoas em casas de prostituição; homoafetivos que são extremamente preconceituosos contra os seus; além-doutrinários que se revoltaram e começaram a praticar o mal; e amasiados que se dão o direito de brincar com o sentimento dos outros, etc.). Porém, posso encerrar essas palavras, afirmando que em sua grande maioria todos os seres humanos, que são excluídos, têm a grande graça de ter melhorado o mundo e feito o bem com suas pequenas-gigantes ações... por isso, “ALÉM-DOS-SIMPLESMENTE-SANTOS, ROGUEM A DEUS POR NÓS!”


JACKSON DE SOUSA BRAGA

Com os santos de minha vida, 03 de novembro de 2013.