segunda-feira, 14 de maio de 2012

Estudo da Perícope Mc 7, 1-23



INTRODUÇÃO
            Este trabalho exegético irá trabalhar o texto de Marcos 7, 1-23. No qual, Marcos trata sobre a discussão de Jesus com os Fariseus e Escribas sobre os rituais de purificação que os judeus propunham e que Jesus condena, por sua exteriorização. Mas, o grande enfoque desse texto é destacar, para os cristãos, o que é impuro e puro.
            Primeiramente será feita uma análise do texto no seu contexto, apontando a delimitação do texto – com todos elementos possíveis de se analisar – e a estrutura interna da perícope.
            No segundo momento, será feita uma análise semântica do texto, apontando os estudos de cada versículo e/ou discurso feito por Jesus, bem como as ações,os lugares e as personagens presentes no texto.
            Num terceiro momento pretende-se apontar, em primeiro lugar, o contexto situacional, no qual se encontra o autor e o texto trabalhados. Em seguida, se fará uma tentativa de atualização do texto para o contexto atual, seja em sua dimensão pessoal ou comunitária.
I – O texto no seu contexto
1.     Unidade e singularidade do texto

1.1.  Delimitação da Perícope

            Faz-se necessária, conforme programado, uma análise sistemática, literária e contextual desta perícope. O primeiro aspecto fundamental é apontar o contexto em que se encontra a perícope no Evangelho, ressaltando: o contexto remoto e o contexto próximo. Logo em seguida, poder-se-á trabalhar os elementos narrativos e retóricos.
            O contexto remoto em que se encontra o texto é da primeira parte do evangelho, após o prólogo. Nesta primeira etapa do Evangelho, Marcos quer apontar Jesus como o messias[1]. Não um messias político, mas um messias que vem trazer a boa nova do Reino de Deus. Nesta divisão do Evangelho, o texto se encontra numa “seção chamada do pão, porque o tema guia é orquestrado ao redor do pão”[2]. A perícope aqui trabalha é chamada, por Camacho, de “tríptico central”, pois divide a seção em duas partes: a primeira gira em torno da partilha do pão para uma multidão de judeus; e a segunda em torno da partilha para a multidão pagã.[3]
            A perícope se encontra entre duas curas. A primeira é identificada como “curas na região de Genesaré”, possível local onde acontece a discussão entre Jesus, os Fariseus e os Escribas. Já a segunda é intitulada como “cura da filha de uma siro-fenícia”, nesta perícope Jesus já havia se retirado do local onde se encontrava e se dirigido para o território de Tiro.

a)      ELEMENTOS NARRATIVOS

            Nesta análise pretende-se apontar o estilo de narração; o gênero literário, os personagens, o espaço e o tempo utilizados na perícope.
            Quanto ao estilo narrativo é o evangélico, pois é um relato sobre a vida de Jesus, o qual aponta o fato, os atos e as falas dos personagens, e no qual também pode-se uma mensagem e ensinamentos de Jesus. O gênero literário encontrado nesta perícope é o de narração, contendo o diálogo entre Jesus e os fariseus, três discursos de Jesus – o primeiro dirigido aos fariseus, o segundo a multidão e o terceiro aos discípulos. O texto também contem uma “parábola”, a qual recebe esse nome pelo próprio evangelista.
            As personagens que se encontram no relato são: Jesus, os fariseus e escribas, a multidão e os discípulos. Há dois locais, nos quais se encontram: num primeiro momento Jesus se encontra em algum lugar público na Galiléia[4] e em seguida eles se dirigem para uma casa na mesma cidade, onde Jesus ensina seus discípulos. O texto não indica diretamente o tempo em que se encontram, mas pode-se induzir-se que é num horário de refeição, pois os discípulos estavam se alimentando de pão.

b)      ELEMENTOS RETÓRICOS

            Neste tópico pretende-se destacar os elementos retóricos do texto: paralelismo; possíveis perguntas retóricas, conexão lexicais ou temáticas.
            O texto só tem um paralelo, o qual se encontra em Mt 15, 1-20.[5] Ele não tem perguntas retóricas, porém pode-se destacar as citações que Jesus faz dos textos de Isaías (Is 29,13) e  Êxodo (20,12). O texto recebe um conectivo lexical, καί, no qual o evangelista tem o desejo de apontar que Jesus se encontra ainda na Galiléia.

1.2.  Estrutura interna da perícope

            A perícope contém 23 versículos, os quais são articulados pela Bíblia de Jerusalém em duas seções: a primeira de 1-13 e a segunda de 14-23.
            Na primeira divisão se encontram: O v. 1 é a introdução do texto e aponta a chegada do escribas e fariseus, reunindo-se em torno deles; Os v. 2 – 4 relatam sobre a percepção que os escribas e fariseus têm dos discípulos que se alimentam sem lavar suas mãos e a explicação que o evangelista faz sobre o ritual judeu; O v. 5 apresenta a pergunta feita pelos fariseus e escribas para por Jesus a prova sobre a tradição dos antigos; Nos v. 6 – 13, encontra-se o primeiro discurso de Jesus, no qual ele acusa os fariseus de hipócritas e aponta seus erros e descumprimento dos mandamentos.
            Na segunda divisão se encontram: O v. 14 que é o chamado que Jesus faz às multidões e sua motivação para audição e compreensão; no v. 15, a chamada “parábola” que Jesus faz para as multidões, com a presença dos discípulos; o v. 16, é discutida sua originalidade[6], mas, no mesmo, Jesus chama a percepção para “quem tiver ouvidos”; o v.17 apresenta a retirada de Jesus e seus discípulos da multidão, a entrada numa casa e a interrogação dos discípulos sobre a parábola; nos v. 18-23, Jesus se decepciona com os discípulos, por sua falta de compreensão e dá a explicação de tudo que havia dito para os fariseus e a multidão.

II – Análise Semântica

            Este texto tem como ponto focal apresentar a nova compreensão da vontade de Deus, o valor das normas para abrir caminho de salvação para todos sem barreiras nem privilégios de castas[7]. Além de destacar a verdadeira pureza para os discípulos e a multidão. Procurando aprofundar cada questão trazida neste texto passa-se a um aprofundamento semântico de cada perícope.
            v. 1 – Esta perícope é iniciada pelo conectivo de ligação καί, o qual une a perícope à anterior e ainda expressa que Jesus se encontra no mesmo local, reunido com seus discípulos e toda a multidão. Os judeus continuam sua conspiração contra Jesus, pois ele era considerado uma ameaça, e enviam “alguns escribas” vindos da capital, Jerusalém, para vê-lo.
            Segundo Champlin, Jesus era considerado, pelos judeus uma ameaça política e religiosa: Política, porque os judeus tinha medo de que os romanos vissem em Jesus um revolucionário e decidissem enviar suas legiões sem misericórdia; Religiosa, porque Jesus era considerado um fanático que estava furtando a imponência deles e enfraquecendo a sua autoridade, com o discurso sobre o Reino de Deus, cujo rei era ele mesmo[8].
            O que marca essa perícope é a capacidade e alcance que tomou a fama e as intrigas contra Jesus. A própria capital, Jerusalém, já estava envolvida e já recebe notícias de Jesus. Além disso, se expressa o quanto Jesus já está incomodando, a ponto de provocar a união do grupo dos escribas e fariseus para tentarem derrotá-lo.
            v. 2 – 4. Faz-se necessário aqui mostrar a origem das leis judaicas que fariseus e escribas acusam os discípulos de Jesus de estarem violando ao comerem com as mãos sem lavar: “A lei obrigava os sacerdotes a lavarem mãos e pés antes de entrarem no santuário e a consumarem a parte dos sacrifícios que lhes tocava em estado de pureza ritual.[9]”. Isto é, a lei propõe aos sacerdotes que façam a devida purificação antes de entrar no santuário e oferecer o sacrifício. Os escribas estenderam essa lei às refeições ordinárias, as quais são consideradas como ato sagrado.
            Ademias, essa postura dos fariseus e escribas se expressa pela sua mentalidade de povo escolhido, “santo-consagrado”. Os fariseus e escribas estão condenando o ato dos discípulos de comer com as mãos impuras, pela orientação e crença que tem quanto ao profano e santo. Para eles, por serem um povo santo, devem se purificar todas as vezes que tiverem contato com os alimentos que os outros povos também tiveram. Até mesmo aqueles que eram judeus e não seguiam as estas leis eram considerados “profanos” e ter contato com eles punha em perigo a própria consagração a Deus: “Criavam assim dupla discriminação: dentro do povo, excluíam as camadas inferiores que não seguiam rigorosamente a interpretação farisaica da lei. Fora do povo, eles excluíam os pagãos.”[10] 
                Marcos ainda faz um parêntese explicativo no qual explana a seus leitores os costumes judeus, conforme a Tradição dos Antigos, a qual era o cumprimento de muitos preceitos estabelecidos pelos doutores da lei que militavam em suas fileiras, estribados em interpretações pessoais aplicadas à legislação vereto-testamentária[11].
            v.5. Os fariseus se incomodam com a postura dos discípulos e questionam sobre o comer com as mãos impuras. Ao invés de voltarem sua pergunta diretamente aos discípulos, eles se voltam para Jesus, expressando assim que o seu objetivo nem era tanto fazer com que o cumprimento da lei acontecesse, mas antes de encontrarem alguma forma de embaraçar Jesus diante das multidões.
            Segundo Champlin, “o significado de Cristo é que ele veio abalar as tradições. Nenhuma busca pela verdade pode limitar-se a “formas eclesiásticas” ou “tradições denominacionais”[12]. Isto é, Jesus está pondo abaixo estas leis  e preceitos que são consideradas para os judeus como fundamentais, as quais acabam oprimindo o povo e afastando-se da verdadeira vontade divina.
            v. 6 – 8. Jesus faz uso do Antigo Testamento e acusa os fariseus e escribas de hipócritas. Jesus está observando neles o culto hipócrita[13], manifesto no culto exterior. Observa-se aqui, que Jesus não está simples e diretamente refutando a discussão sobre a pureza ritual, mas ele parte para uma crítica a uma questão mais profundo: a relação entre tradição humana e vontade de Deus.
            Ao citar Isaías, Jesus faz com que seja percebido o falso culto que os fariseus e escribas estão fazendo a Deus, ressaltando que a tradição profética já os havia acusado. Além disso, ele conclui apontando que os mandamentos que se apegam de forma desnecessária são apenas mandamentos humanos e não divinos:

Jesus mostrou que a – própria tradição profética – antecipara tais perversões que os legalistas incorporariam em seu sistema. Ao invés de frisar o absurdo de vários pontos inferiores em seu sistema, ele mostrou que tinham deslocado mandamentos realmente importantes da lei[...][14]

            v. 9 – 13. Jesus faz a afirmação de que os Fariseus e Escribas são hábeis em deixar de cumprir os mandamentos de Deus para cumprir os mandamentos humanos. Jesus destaca especialmente um fato para exemplificar como certos preceitos humanos podem fazer com que os homens pequem contra os mandamentos divinos. Jesus está destacando o quando essas leis humanas são capazes de desumanizar a pessoa, negando-lhe o que há de bem para fazer.
            Eles com as leis humanas acabam exaltando-as acima do próprio Deus que propõem o cumprimento de seus mandamentos. O mandamento citado por Jesus: honra teu pai e tua mãe: aquele que amaldiçoar pai e mãe, certamente deve morrer é tão radical que requer a morte dos que não o cumprem:

Se o preceito de honrar os pais – isto é, de sustentá-los, segundo a linguagem bíblica – é resumido a uma prescrição externa, o homem será bastante hábil para rodeá-lo e justificar moral e religiosamente seu comportamento.[15]

                Assim sendo, Jesus está apontando que o apego às leis humanas faz com que os fariseus e escribas invalidem a verdadeira e santa Palavra e Lei de Deus. Eles fogem da verdadeira ordem de Deus, que é o amor: “enquanto, a piedade para com Deus deveria expressar-se no amor ao próximo, eles pretendem honrar a Deus descuidando do homem ou desprezando-o.”[16]
            v. 14. Jesus se volta ao povo, cuja presença é muito marcante junto a Jesus no evangelho de Marcos: “Nas narrativas de Marcos, o povo estava sempre próximo.”[17]. Este texto expressa dois aspectos: o primeiro que povo estava com atenção em outra coisa que não era Jesus e o segundo é que Jesus quer ensinar e admoestar o povo sobre o que vem a ser o puro e impuro.
            Sobre o primeiro e segundo aspectos, Camacho afirma que

A multidão representa o segundo grupo de seguidores, os que não provem do judaísmo; não estiveram presentes numa discussão que se referia aos usos judaicos, mas agora Jesus vai enunciar um princípio válido para todas as pessoas, e por isso a convoca.[18]

Isto é, no primeiro aspecto, Jesus se mostra preocupado com todos, tanto os que têm conhecimento como os que não têm; já no segundo aspecto, Jesus mostra sua disponibilidade em ensinar e admoestar o povo. Seu ensinamento não é particular dos judeus, mas é dado a todos, sem exceção.
            v. 15. Neste versículo, Jesus expressa sua doutrina a partir de uma perspectiva diferente da dos judeus. Ele não está mais preocupado com as abluções rituais – as quais ficam em um segundo plano –, mas com a alimentação.[19] Jesus está apontando a diferença entre os preceitos ético-religiosos para os preceitos higiênico-rituais.
            O objetivo principal é dizer que as coisas não podem ser puras ou impuras para o ser humano, mas sim o humano pode mostrar sua pureza ou não diante de seus comportamentos. Ou seja, somente o humano pode mostrar sua pureza de coração e não os alimentos que o ser humano venha a ingerir.
            v.16. Para o estudo deste versículo será de grande proveito a observação feita por Champlin: “Este Versículo não faz parte autêntica de Marcos neste ponto. Algum escriba posterior adicionou uma note bene no meio da história. A declaração, porém, saiu com freqüência dos lábios de Jesus.”[20]
            v. 17. Este versículo declara a caminhada que Jesus faz até o ensinamento particular a seus discípulos. Com estas palavras, Marcos afirma que os discípulos não compreenderam o que Jesus tinha dito Jesus e ele irá continuar seu ensinamento agora fora da multidão: “Igualmente os discípulos não entenderam o sentido daquela enigmática palavra; mas, sendo eles homens fiéis e dispostos à fé, abre-lhes Jesus, no círculo interno [...]”[21]
            Neste versículo duas palavras usadas pelo evangelista são fundamentais destacar e explicar: casa e parábola. Quanto a casa, pode-se interpretá-la como a casa do novo Israel, a qual é o lugar onde se encontram os discípulos e somente eles[22]; quanto ao chamado que Marcos dá a palavra anterior de Jesus como parábola, pode-se afirmar, junto com Camacho, que os discípulos

Não entendem a palavra de Jesus, que aparece igualar o israelita ao pagão. Por isso lhe perguntam em particular. Sua resistência em admitir a igualdade entre os povos faz com que vejam o dito como uma parábola, ou seja, como um enigma cujo sentido não é o que aparece à primeira vista, sem recordar que Jesus falava em parábolas somente para “os de fora”[23]

            v.18-19. Jesus expressa primeiro sua decepção em relação aos discípulos, pois eles estão juntos dele e se manifestam como alguém que “está de fora”[24]. Em seguida, Jesus explica aos discípulos sua afirmação e aponta-a como se referindo diretamente à questão dos alimentos. Pode-se notar aqui que Jesus não se sente intimidado em falar das coisas naturais para os seus discípulos.[25]
            Tal afirmação faz com que Marcos inclua ao texto uma afirmação sobre o modo como Jesus expressa que os alimentos não podem trazer a impureza, mas sim que esta se encontra no humano, conforme já foi dito acima. Além disso, o evangelista usa-se dessas palavras para mostrar que os alimentos são declarados puros por Jesus, em detrimento a cultura judaica que conservava uma mentalidade sobre impureza em determinados alimentos e pessoas. Jesus está pondo em destaque neste versículo a bondade do mundo e das criaturas, os quais foram criados, por Deus, bons:

Tal ponto de vista é no mínimo independente e avançado para os judeus, que conservaram conceitos antiquados sobre “pureza” de determinados animais e alimentos e até que a gente se tornava impuro por fenômenos naturais (do âmbito sexual por exemplo) e por contatos (como leprosos e cadáveres), enfim tabus cúlticos. A atitude de Jesus corresponde à sua abertura positiva ao mundo e às criaturas e se conserva na Igreja primitiva, que abandona a distinção entre animais “puros e impuros” bem como os correspondentes preceitos alimentares (At 10,11-15,28)[...] [26]

            v. 20-23. Jesus chega a afirmação de que o que sai do íntimo é que realmente pode contaminar. Jesus está lembrando que a maldade não se encontra nas coisas, ou externa ao ser humano, mas dentro da pessoa, em seus atos de maldade, egoístas e auto-suficientes. Jesus tem o desejo de superar essa visão e tabu de que a impureza se encontra na exterioridade ou ainda em povos diferentes:

O reino de Deus e sua justiça, que se tornaram próximos em Jesus expressam também a última intenção da vontade de Deus: a integridade e a liberdade do homem. Se a maldade não está nas coisas, o homem é libertado de todo falso tabu e constituído à sua integridade; se o seu destino salvífico var ser decidido de dentro, do coração, a liberdade e a responsabilidade não são uma concessão, mas uma tarefa fundamental para o homem.[27]

            Os versículos seguintes a afirmação de Jesus trazem uma lista de doze vícios, em cujo elenco se encontram seis no singular e seis no plural. Pode-se observar que esses erros e vícios são todos se referindo ao humano, com isso Jesus destaca que “a relação com Deus não depende da observância de normas ou de gestos religiosos, mas da atitude para com os demais homens”.[28]
            A perícope é encerrada generalizando que toda e qualquer impureza e contaminação procedem de dentro, do íntimo do homem e não de cerimônias e/ou alimentos. Jesus deixa a responsabilidade do erro e pecado sobre o ser humano e assim a aplicabilidade da Lei moral é levada para a intimidade humana e não sua exterioridade.


III – Atualização do texto e seu efeito pragmático
3.1. O contexto situacional da Comunidade Marcos
            Basicamente este tópico gira em torno de três perguntas básicas: “quem é Marcos?”; “Quando foi escrito o Evangelho?” e “Para quem Marcos o escreveu?”[29]. Tendo tais questões em vistas pode-se entrar em uma busca de respostas.
            Para a primeira questão pode-se dizer que Marcos está ligado a Pedro, o apóstolo. Marcos é chamado por papias de “intérprete de Pedro” e também como o responsável por compilar – mesmo que não em ordem – os feitos do Senhor[30]. Além disso, Marcos acompanhou também Paulo em sua primeira visita missionária junto com Barnabé[31]. Ele possui dois nomes João e Marcos – o primeiro é judaico e o segundo é helênico – expressando assim seu conhecimento da cultura judaica e da linguagem grega. Sendo assim, afirma-se que o nome original do autor do Evangelho é João Marcos, que era presbítero e teve contato com duas grande figuras do cristianismo nascente: Pedro e Paulo.
            Quanto a segunda pergunta, Clemente de Alexandria afirma que o texto foi redigido no final da vida de Pedro e Irineu que foi anos depois da mesma morte. Isto indica que o texto foi redigido por volta da década de 60-70[32].
            Finalmente, à terceira pergunta pode-se afirmar que o Evangelho tem como destinatário a comunidade nas regiões da Itália, para ser mais específico Roma. Além disso, pode-se constatar que encontram-se muitas explicações sobre os costumes judaicos, o que leva a crer que ele está escrevendo para pessoas provindas do paganismo.[33]
            Portanto, segundo Herrero, o Evangelista é João Marcos, o qual acompanhou Pedro e Paulo – as grande figuras do cristianismo nascente; a possível data de elaboração do evangelho é a década de 60-70 e os destinatários são, possivelmente, as pessoas provindas do paganismo que se encontram em Roma e nas regiões da Itália[34].


3.2. O efeito pragmático do texto no leitor atual
         O texto é iluminador pela presença de todas as questões morais e éticas quando ao mal, o qual não está simplesmente no fato de transgressão de leis, mas sim nos problemas da liberdade humana mal usada. Tendo isto, em vista pretende-se abordar aqui uma contextualização das propostas de Jesus para a atualidade, destacando: o ritualismo encontrado hoje nas Igrejas, bem como a religiosidade externa; o respeito a cada opção de vida e cada ser humano; e as implicações morais sobre a negação da responsabilidade humana diante do mal e pecado.
            Na atualidade, o problema da exteriorização das expressões religiosas ainda existe. Muitos desejam expor sua fé através de ritos e presença física em eventos religiosos e celebrações. Ainda existem os que acreditam que a fé é uma simples expressão verbal e não uma assimilação existencial da proposta trazida por Deus.
            Sendo assim, as palavras de Jesus Cristo, nesta perícope trabalhada, remetem à postura autêntica de que cada fiel deve louvar a Deus não somente com as palavras, mas também com seu coração. Como dito, a fé é uma opção existencial antes de tudo e requer do crente uma postura e vivência do que é assumido em sua vida. O texto faz com que seja lembrada a verdadeira postura do Cristão que alimenta-se da palavra e da eucaristia (participação dos ritos religiosos), mas que principalmente vive a real caridade, que ambas requerem de cada um.
            Além disso, Jesus lembra o respeito a cada pessoa humana, principalmente os familiares e próximos necessitados da caridade fraterna. Ele é muito rígido com os fariseus que propõe um certo desprezo e descuidado para com os pais (comparados aqui com os necessitados) em busca da oferta e dízimo a Deus. Em muitas igrejas e seitas, cuja linha é da teologia da prosperidade, percebe-se a valorização da entrega do dinheiro e da posse de bens em detrimento das ações de caridade e ajuda ao próximo. Esta é uma postura que acaba sendo egoísta e centralizadora, pois remete ao apego aos bens materiais (no evangelho leis e preceitos humanos), o qual vai contra uma postura de ajuda mútua e conquista de uma sociedade mais igualitária, tanto para os poderosos (Fariseus e escribas), como para os menos favorecidos (judeus e trabalhadores).
            Também, pode-se destacar a apresentação da culpabilidade e da responsabilidade humana. Jesus expressa claramente que o ser humano é o grande responsável por todos os atos errôneos e impurezas existentes e não simplesmente os alimentos: “Com efeito, é de dentro, do coração dos homens que saem as intenções malignas [...]”[35].
            Na contemporaneidade, o ser humano cada vez mais busca encontrar meios para não poder assumir sua real responsabilidade diante do mal , em suas diversas facetas. Essa busca ainda é remetida para a exterioridade. Não mais nos alimentos, pois estes só podem causar, no máximo, um mal físico (devido a sua má conservação, data de validade, má preparação, etc.), mas justificando-se através do sistema social, problemas psicológicos ou ainda incapacidades humanas.
            Ora, aqui não está se negando que talvez estes possam influenciar em pessoas totalmente conscientes, porém não se pode negar a responsabilidade destas, pois devem assumi-la, tanto nos atos maus quanto bons.
            Salienta-se, ainda, que a visão de pecado não pode ser também reduzida a uma simples transgressão da lei. Deve, sim, ser vistas como um agir moral humano que pode induzi-lo a uma dependência viciosa em sua vida (ex.: adultério, ambição desmedida). Fazendo com que a pessoa trate o pecado como um fato rotineiro e não tente superar o seu erro.
            Portanto, o texto trabalhado é de suma importância esta perícope de Mc 7, 1-23, pois relembra de aspectos fundamentais da vida cristão e da vida moral, como: a atitude existencial cristã que todos são chamados, ou seja, o amor fraterno, tanto em palavras como em ações; uma autêntica busca do bem dos mais necessitados e próximos; uma responsabilidade dos atos humanos, tanto bons como maus e pecaminosos.
Referências bibliográficas

·         BÍBLIA DE JERUSALÉM. A.T e N.T. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2010.
·         BARBAGLIO, G; FABRIS, R; MAGGIONI. Os Evangelhos. São Paulo: Loyola, 1990. v. I. (citado ao longo do texto com a sigla: OS EVANGELHOS, 1990, p.)
·          CAMACHO, F.; MATEUS, J. Marcos: Textos e comentários. São Paulo: Paulus, 1998. (citado ao longo do texto com a sigla: MARCOS: Textos e comentários, 1998, p.)
·         CHAMPLIN. R. O novo Testamento interpretado. São Paulo: Editora e distribuidora Candeia. (citado ao longo do texto com a sigla: O N.T. INTERPRETADO, p.)
·         HERRERO, F. P. Evangelho segundo São Marcos. In: OPORTO, S. G.; GARCIA, M. S. (org.). Comentário ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Ave-Maria, 2006. (citado ao longo do texto com a sigla: COMENTÁRIO AO NOVO TESTAMENTO, 2006, p.)
·         LANCELLOTTI, A (org.). O Evangelho querigmático: Segundo Marcos. Petrópolis: Vozes, 1977. (citado ao longo do texto com a sigla: O EVANGELHO QUERIGMÁTICO, 1977, p.)
·         SCHNACKENBURG, R. O Evangelho segundo Marcos. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1983. (citado ao longo do texto com a sigla: O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS, 1983, p.)



[1] COMENTÁRIO ANO NOVO TESTAMENTO III, 2006, p. 123.
[2] OS EVANGELHOS, 1990, p. 484.
[3] Cf. MARCOS: texto e comentários, 1998, p.168.
[4] Cf. O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS, 1983, p. 182.
[5] Cf. MARCOS: Textos e comentários, 1998, p. 181-187.
[6] Será tratado sobre isso abaixo, na semântica do versículo.
[7]Cf. OS EVANGELHOS, 1990, p.496.
[8] Cf. O N.T INTERPRETADO, p.715.
[9] O EVANGELHO QUERIGMÁTICO, 1977, p.74.
[10] MARCOS: Textos e comentários, 1998, p.182.
[11] Cf. O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS, 1983, p. 185.
[12] O N.T. INTERPRETADO, p.717.
[13] Os críticos de Jesus são chamados de ὑποκριτῶν, isto é, “atores”, fingidos religiosos; e isso os situou na posição de “falsos” representantes da fé religiosa [...] Os fariseus haviam trazido o teatro para dentro da religião (Cf. Idem)
[14]Idem
[15] OS EVANGELHOS, 1990, p. 496.
[16] MARCOS: Textos e comentários, 1998, p. 185.
[17] O N.T. INTERPRETADO, p. 719.
[18] MARCOS: Textos e comentários, 1998, p.186.
[19] Cf. O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS, 1983, p. 190
[20] O N.T. INTERPRETADO, p.719. No texto do Ap. 2, 7, este ouvir é chamado de audição do que o Espírito Santo diz. Talvez se explique que o ouvir os ensinamentos de Cristo requer uma abertura para a ação do Espírito Santo de Deus.
[21] O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS, 1983, p. 191
[22] Cf. MARCOS: Textos e comentários, 1998, p.187.
[23] Idem.
[24] Cf. Idem, p.188.
[25] Cf. O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS, 1983, p.191
[26] Idem, p.191-192.
[27] OS EVANGELHOS, 1990, p. 498.
[28] MARCOS: Textos e comentários, 1998, p.188.
[29] Cf. COMENTÁRIO AO NOVO TESTAMENTO III, 2006, p.130
[30] Idem, p. 131.
[31] At 12,25; 13,5.
[32] Cf. COMENTÁRIO AO NOVO TESTAMENTO III, 2006, p.132
[33] Idem
[34] Cf. Todas as respostas no texto de Herrero: Idem, Introdução.
[35] Mc 7, 21.

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