INTRODUÇÃO
Joseph
Ratznger desenvolveu “Instruções sobre alguns aspectos da ‘Teologia da
Libertação’” tendo como objetivo principal:
A
presente Instrução tem uma finalidade mais precisa e mais limitada: quer chamar
a atenção dos pastores, dos teólogos e de todos os fiéis para desvios e perigos
de desvios, prejudiciais à fé e à vida cristã, inerentes a certas formas da
teologia da libertação que usam, de maneira insuficientemente crítica,
conceitos assumidos de diversas correntes do pensamento marxista.[1]
O mesmo autor destaca
que o objetivo não é interpretar esta advertência como uma desaprovação de
todos aqueles que querem responder generosamente e com autêntico espírito
evangélico à “opção preferencial pelos pobres”. Mas, esclarecer e informar que
os graves desvios levam inevitavelmente a trair a causa dos pobres.
I
– UMA ASPIRAÇÃO
O
desejo de libertação constitui um dos principais desejos dos povos e a Igreja é
chamada a interpretar essa aspiração à luz do Evangelho. Sobretudo sobre os
povos que sofrem com o peso das misérias que se exprimem com vigor. A aspiração
citada traduz a percepção autêntica, não de forma perfeita, da dignidade do
homem, a qual é rebaixada e menosprezada por múltiplos opressores.
O
ser humano é chamado, quando se revela sua autêntica vocação, a ser filho de
Deus, sendo assim, há uma exigência de vida fraterna, justa e pacífica. Por
este motivo, nenhum ser humano está disposto ao peso esmagador da miséria, que
é uma violação de sua dignidade. Além disso, constata-se cada vez mais que a
humanidade seria capaz de assegurar o mínimo de bens exigidos pela dignidade
humana.
A
desigualdade social já não é tolerada, pois:
·
Atingiu-se uma abundância que favorece o
desperdício;
·
Vive-se numa situação de indigência;
·
A falta do sentido de solidariedade nos
intercâmbios internacionais aumenta a distância entre ricos e pobres, donde se gera
a acusação de colonialismo econômico;
A
Igreja não pode deixar de denunciar a gigantesca corrida armamentista, lutando
sempre contra as guerras e ainda oferecendo ajuda financeira às populações
privadas do necessário.
II – EXPRESSÕES DESTA ASPIRAÇÃO
A
aspiração pela justiça e pelo reconhecimento da dignidade de cada pessoa exige
esclarecimento e orientação. É de suma importância haver um discernimento
quanto as expressões teóricas e práticas, pois existem movimentos ideológicos
que os utilizam, com bases violentas, alegando que colocarão fim a miséria do
povo. Fazendo assim que a aspiração pela justiça se torne prisioneira de
ideologias, que levam a violência. É necessário, portanto, que se faça uma
autêntica e fiel interpretação dos sinais dos tempos à luz do Evangelho, sempre
levando em consideração um discernimento crítico das expressões teóricas e
práticas.
III – A LIBERTAÇÃO, TEMA CRISTÃO
A
aspiração por libertação é um tema fundamental do cristianismo. Em consonância
com a aspiração citada nasce o movimento teológico e pastoral chamado de
“teologia da libertação”:
·
Inicia-se
nos países da América Latina;
·
Parte para outras regiões do Terceiro
Mundo, além de outros ambientes dos países industrializados;
A expressão “teologia
da libertação” designa, primeiramente, uma preocupação privilegiada, geradora
de compromisso pela justiça, voltada para os pobres e para as vítimas de
opressão. Mas, pode-se distinguir diversas maneiras de conceber as
significações de pobreza, gerando-se assim as “teologias da libertação”, cujas
posições teológicas são diversificas.
Conforme dito, a aspiração por libertação refere-se a um
tema fundamental do Antigo e Novo Testamentos e tomado em si mesmo designa:
“uma reflexão teológica centrada no tema bíblico da libertação e da liberdade e
na urgência de suas incidências práticas”[2].
IV – FUNDAMENTOS
BÍBLICOS
Uma “Teologia da
Libertação” coerente constitui um convite aos teólogos a aprofundar certos
temas bíblicos essenciais, com um espírito atento às graves e urgentes questões
que a atual aspiração pela libertação e os movimentos de libertação põem à
Igreja. A principal experiência de libertação cristã é a oferecida por Cristo,
ao nos libertar da escravidão do pecado e da escravidão da lei e da carne.
Sendo assim, as demais formas de escravidão encontram sua raiz mais profunda na
escravidão do pecado. E a verdadeira libertação e vida nova se encontra na
caridade, ou seja, a vida no Espírito.
Ratzinger aponta neste tópico uma distinção e
esclarecimento sobre diversas propostas de libertação encontradas na Sagrada
Escritura, desde o Antigo ao Novo Testamentos – ressaltando as verdadeiras
interpretações que se deve fazer dos textos. Pretende-se aqui, apontá-las,
seguindo a distinção de ambos os testamentos:
I.
ANTIGO TESTAMENTO
a)
O livro do Êxodo aponta o evento
fundamental na formação do povo eleito e a libertação do povo de Israel está
orientada para a constituição do povo de Deus e para o culto da Aliança
celebrada no Monte Sinai. Por isso, a libertação do Êxodo não pode se
interpretada de natureza unicamente política. Esta experiência de libertação
tem Deus como seu principal agente. Isto é, Deus é o Libertador e Ele
estabelecerá com seu povo uma nova Aliança, marcada pelo dom do seu espírito e
pela conversão de corações.
b)
Nos Salmos, se encontra diversas
expressões das múltiplas angústias e desgraças experimentadas pelo homem fiel
ao Deus da Aliança: lamentações, pedidos de socorro, ações de graças, que se
referem a salvação religiosa e à libertação. Os salmos expressam que somente de
Deus se espera a salvação e o remédio para as desgraças sofridas.
c)
Os profetas não cessam de recordar as
exigências da justiça e da solidariedade e de formular um juízo extremamente
severo sobre os ricos que oprimem o pobre; defendem a viúva e o órfão; prometem
ameaças contra os poderosos; não se
concebe a fidelidade à aliança sem a prática da justiça (Justiça em relação a
Deus e ao homem são inseparáveis).
II.
NOVO TESTAMENTO
a)
As exigências do Antigo Testamento são
radicalizadas, como se demonstra no discurso das Bem-aventuranças.
b)
O
mandamento do amor fraterno é estendido a todos os homens e constitui a suprema
norma da vida social; todos são reconhecidos como próximo.
c)
A pobreza por amor ao reino de Deus é
exaltada. No pobre se encontra a imagem e presença misteriosa do Filho de Deus,
o qual é solidário com toda a desgraça.
d)
As exigências da justiça e misericórdia
são aprofundadas a ponto de se revestirem uma significação nova. A perfeição,
exigida por Jesus, consiste no dever de ser misericordioso. Os ricos são severamente
admoestados para cumprirem o seu dever. Acentua-se vigorosamente a ligação que
existe entre o sacramento do amor e o repartir o pão com o irmão que necessita.
e)
“A revelação do Novo Testamento nos
ensina que o pecado é o mal mais profundo que atinge o homem no cerne de sua
personalidade. A primeira libertação, ponto de referência para as demais, é a
do pecado.”[3]
São Paulo, ainda, destaca que a libertação que Cristo oferece – ou seja, a
libertação do pecado seja para os escravos ou livres – deve necessariamente ter
repercução também no campo social.
Sendo assim, não se
pode reduzir o campo do pecado ao que se denomina “pecado social”, mas somente
uma adequada doutrina sobre o pecado permitirá insistir sobre a gravidade de
seus efeitos sociais. Não se deve, portanto, situar o mal unicamente ou
principalmente nas estruturas econômicas, sociais ou políticas, como se todos
os males derivassem disto, mas deve-se observar que a raiz do mal se encontra
nas pessoas livres e responsáveis, que devem ser convertidas pela graça de
Jesus Cristo.
V – A VOZ DO
MIGISTÉRIO
O Magistério da Igreja, com o desejo de responder aos
desafios lançados à época deste texto pela opressão e pela fome, relembra
repetidamente a atualidade e a urgência da doutrina e dos imperativos contidos
na Revelação. O autor limita-se a mencionar apenas alguns destas intervenções:
os pronunciamentos pontifícios mais recentes, Mater et Magistra, Pacem in
terris, Popularum progressio, Evangelii nuntiandi. Mensiona ainda a
carta do Cardeal Roy, Octogesima
adveniens. Ainda destaca que o Concílio Vaticano II tratou as questões da
justiça e da liberdade na Constituição pastoral Gaudium et spes.
O
Santo Padre, João Paulo II, insistiu diversas vezes neste tema,
particularmente:
1.
ENCÍCLICAS – Redemptor hominis, Dives in Misericordia, Laborem exercens;
2.
Discurso proferido diante da XXXVI
Assembleia geral da ONU e a abertura da Terceira Conferência do Episcopado
Latino-Americano, em Puebla;
Por
duas vezes tratou-se de temas que se referem diretamente à concepção cristã de
libertação no Sínodo dos Bispos, em
1971 e 1974. Diante de tais Sínodos o papa Paulo VI esclarecem a relação que
existe entre a evangelização e a libertação ou promoção humana, em Exortação
apostólica Evangelii nuntiandi.
A
igreja constitui também a Pontifícia Comissão Justiça e Paz, vista a
preocupação com as questões de libertação e promoção humana. Ainda numerosos
episcopados têm lembrado a urgência e caminhos para uma autêntica libertação
cristã (Medellín em 1968 e Puebla em 1979): “João Paulo II, no discurso de
Puebla, lembra quais são os três pilares sobre os quais deve assentar uma
autêntica teologia da libertação: a
verdade sobre Jesus Cristo, a verdade sobre a Igreja e a verdade sobre o homem”[4].
VI – UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DO
CRISTIANISMO
Não se pode
deixar de destacar o trabalho desinteressado realizado por cristãos ao
prestarem auxílio e proporcionar alívio aos inumeráveis males que são frutos da
miséria. Mas, o zelo e a compaixão correm por vezes o risco de se desorientar
ou de serem desviados para iniciativas não menos prejudiciais ao homem e a sua
dignidade.
O sentimento angustiante da urgência não pode levar a
perder de vista o essencial, que é não só repartir o Pão, mas também atuar com
a Evangelização, ambas em uma íntima relação. Alguns ainda acreditam que obter
a justiça e liberdade, no sentido econômico e político, constitua o essencial e
a totalidade da salvação. Para estes, o Evangelho se reduz a um evangelho
puramente humano.
A opção preferencial pelos pobres é reafirmada com vigor,
mas sem deixar de vista uma autêntica e fiel interpretação da mesma.
Ratzinger
lembra que já afirmou que existe uma autêntica Teologia da Libertação, mas para
ele convém falar das teologias da libertação, pois muitas vezes suas
interpretações se afastam gravemente da fé da Igreja – chegando a constituir
uma negação prática da fé.
VII – A ANÁLISE MARXISTA
A
impaciência e o desejo de ser eficaz levaram a alguns cristãos a voltarem-se
para aquilo que chamam de “análise marxista”. O seu raciocínio é o seguinte:
uma situação intolerável e explosiva
exige uma ação eficaz que não pode mais ser adiada. Uma ação eficaz supõe uma
analise científica das causas estruturais da miséria. Ora, o marxismo
aperfeiçoou um instrumental para semelhante análise. Bastará, pois, aplicá-lo à
situação do Terceiro Mundo e, especialmente, à situação da América Latina.[5]
Que o conhecimento científico da situação e dos possíveis
caminhos de solução seja o pressuposto básico de uma ação capaz de levar a
objetivos fixos é evidente. Mas, nem tudo que ostenta a etiqueta de científico
o é necessariamente e tomar o método de abordagem da realidade é algo que deve
ser acompanhado de exame crítico, o qual falta a várias “teologias da
libertação”.
No caso do Marxismo se impõe uma crítica prévia. O
pensamento de Marx constitui uma concepção totalizante do mundo, onde numerosos
dados são integrados a numa estrutura filosófico-ideólogica que determina a
significação e a importância relativa que se lhe atribui. Existe um a priori ideológico. Assim a dissociação
dos elementos heterogêneos torna-se impossível e se é forçado a ideologia.
Paulo VI adverte que:
através do marxismo, tal como é vivido
concretamente, podem-se distinguir diversos aspectos e diversas questões
propostas à reflexão e à ação dos cristãos. Entretanto, "seria ilusório e
perigoso chegar ao ponto de esquecer o vínculo estreito que os liga
radicalmente, aceitar os elementos da análise marxista sem reconhecer suas
relações com a ideologia, entrar na prática da luta de classes e de sua
interpretação marxista sem tentar perceber o tipo de sociedade totalitária à
qual este processo conduz".[6]
Conforme é sabido, o pensamento marxista se diversificou
consideravelmente entre si, desde sua origem. Mas, na medida em que se mantém o
verdadeiro marxismo, a concepção de homem e sociedade proposta por esta
corrente se afasta da concepção cristã (ex.: “Luta de classes”).
Destaca-se que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de
sua liberdade e de seus direitos encontram-se no centro da concepção ateísta, a
qual ameaça diretamente as verdades de fé sobre o destino eterno das pessoas.
Além disso, a utilização dos elementos filosóficos ou das ciências humanas tem
um valor instrumental e deve ser objeto de um discernimento crítico de natureza
teológica. P critério final e decisivo deve ser sempre o critério teológico.
Alguns esquemas e interpretações marxistas podem ser
analogados à realidade de alguns países, mas tomando por base estas analogias
impede-se, de fato, uma análise verdadeiramente rigorosa das causas de miséria
e mantêm-se as confusões. Em certas regiões da América Latina, os diversos
tipos de dominação constituem fatores que alimentam um violento sentimento de
revolta junto àqueles que se consideram vítimas: “A tomada de consciência das injustiças é acompanhada por um
pathos que pede muitas vezes emprestado ao marxismo seu discurso, apresentado
abusivamente como sendo um discurso ‘científico’”[7].
Tais tomadas de consciência correspondem a um ponto de
vista particular. Esta limitação é ignorada por aqueles que, à guisa de
hipóteses reconhecidas como tais, recorrem a uma concepção totalizante, como é
o pensamento de Marx.
VIII – SUBVERSÃO
DO SENSO DA VERDADE E VIOLÊNCIA
A concepção totalizante marxista leva às “teologias da
libertação” a aceitar um conjunto de posições incompatíveis com a visão cristã
do homem. O núcleo ideológico, tomado do marxismo, exerce a função de princípio
determinante e neste núcleo podem-se distinguir diversos componentes:
a)
Na lógica do pensamento marxista a “análise”
não é dissociável da práxis e da concepção de história, na qual ambas estão
ligadas. A análise é um instrumento de crítica e esta não passa de uma etapa do
combate revolucionário. Somente quem participa do combate é considerado autor
de uma análise correta.
b)
A consciência verdadeira é a
“partidarista”. Afirma-se que não existe verdade, a não ser pela práxis
“partidarista”, pois a estrutura fundamental da história está marcada pela luta
de Classes. Existe, pois, uma necessidade de entrar na luta de classes.
c)
A luta de classes é apresentada como uma
lei objetiva e necessária. A lei fundamental da luta de classes tem um caráter
de globalidade e de universalidade. Implica-se, assim, que a sociedade esteja
fundada sobre a violência – que é considerada necessária e, por isso, a
afirmação do amoralismo político. Donde a natureza da ética é radicalmente
questionada.
IX – TRADIÇÃO
“TEOLÓGICA” DESTE NÚCELO IDEOLÓGICO
A posição apresentada encontra-se, às vezes,
enunciada com todos os seus termos em alguns dos escritos de “teólogos da
libertação”. Existem os que se deduz logicamente e os que colocam com certas
práticas litúrgicas tais posições. Isto é um sistema, onde há uma perversão da
mensagem cristã que se encontra em xeque por tais “teologias da libertação”.
Algumas “teologias da Libertação” recebem a teoria das
lutas de classes na qualidade de princípio. Acreditam que a mesma luta divide a
própria Igreja e em função dela se devem julgar as realidades eclesiais.
Pretende-se lembrá-los que é somente o amor que tem a capacidade de vencer
aquilo que constitui a lei estrutural primária da sociedade capitalista.
A luta de classes é considerada o motor da história, que
se torna a noção central e chegando a afirmar que só há uma noção de história,
não havendo, assim, necessidade de distinguir entre a história da salvação e a
profana. Estas afirmações refletem um imanetismo historicista, onde o processo
da auto-redenção do homem se dá na luta de classes na história e o advento do
Reino de Deus na libertação humana. Existem os que identificam o próprio Deus
com a história e a Fé, a Esperança e a Caridade recebem um novo conteúdo:
“fidelidade à história”, “confiança no futuro” e “opção pelos pobres”.
Desta nova concepção deriva inevitavelmente um
politização radical das afirmações da fé e dos juízos teológicos, onde toda e
qualquer afirmação de fé e Teologia se vê subordinada a um critério político. O
ingresso na luta de classes é visto como exigência da própria caridade. A
universalidade do amor ao próximo e da fraternidade transforma-se num princípio
escatológico que só terá valor para o “homem novo” que surgirá da revolução
vitoriosa.
A Igreja, que é dom da graça e mistério de fé, é vista
como uma realidade dentro da história, sujeita às leis que governam o devir histórico
na imanência. Contesta-se a participação da mesma mesa eucarística de cristãos
de classes opostas. A Igreja dos pobres, em sua real significação, indica
preferência, sem exclusivismo, dada aos pobres[8],
que são os prediletos de Deus. Significa ainda que a Igreja tanto como comunhão
ou instituição deve tomar consciência das exigências da pobreza evangélica.
Porém, as “teologias da libertação”, que se dizem
revalorizadoras dos textos bíblicos quanto a defesa dos pobres, passam a fazer
uma amálgama perniciosa entre o pobre d Escritura e o proletariado de Marx.
Donde se perde o verdadeiro sentido cristão de pobre e o combate por direitos se
torna uma luta de classes, onde a Igreja dos pobres é a Igreja classista.
Há um esclarecimento sobre Igreja do povo, cujo
significado é, do ponto de vista pastoral, a Igreja dos destinatários
principais da evangelização ou o povo da Nova Aliança realizada em Cristo. Mas,
as “teologias da Libertação” entende o termo “Igreja do povo” como Igreja da
luta libertadora organizada e o povo acaba tornando-se objeto de fé. E esta
concepção faz elaborar uma crítica das próprias estruturas da Igreja, onde se
denuncia a Hierarquia e o Magistério.
X – UMA NOVA
HERMENÊUTICA
Os teólogos que não compartilham as teses da “teologia da
libertação”, a hierarquia e, sobretudo, o Magistério são assim desacreditados a priori, como pertencentes à classes
opressoras. A Teologia deles é uma teologia de classes. E tendo em vista que
seu discurso é simplesmente do interesse de uma classe decreta-se que é um
discurso, em princípio falso.
Por causa desse pressuposto classista torna-se
extremamente difícil, talvez até impossível, um diálogo como alguns “teólogos
da libertação”, onde o interlocutor seja ouvido e seus argumentos sejam
discutidos. Estes teólogos partem do ponto de vista da classe oprimida e
revolucionária, que seria ao mesmo tempo constituir um único ponto de vista da
verdade e, sendo assim, os critérios teológicos da verdade vêem-se
relativizados e subordinados aos imperativos da luta de classes. Nesta aspecto
subistitui-se a ortodoxia pela ortopráxis, a qual é tomada como
verdade. A práxis revolucionária se
tornaria assim, para eles, o critério supremo da verdade teológica. Contudo,
uma metodologia teológica sadia toma em consideração a práxis da Igreja e nela encontra seus fundamentos.
A doutrina social da Igreja é rejeitada com desdém. A
nova hermenêutica inserida nas “teologias da libertação” conduz a uma releitura
essencialmente política da Escritura, por isso se atribui a máxima importância
ao evento do Êxodo enquanto libertação da escravidão política e ainda uma
leitura política do Magnificat. O erro desta leitura é
Privilegiar a dimensão política, como principal e
exclusiva, em uma hermenêutica é ao mesmo tempo:
ü Colocar
a perspectiva messiânica como temporal, gerando uma das expressões mais
radicais da secularização do Reino de Deus.
ü Negar
a radical novidade do Novo Testamento e, antes de tudo, desconhecer a pessoa de
Jesus Cristo, bem como o caráter específico da libertação do pecado, fonte de
todos os males.
ü Colocar
em oposição o “Jesus da história” e o “Jesus da fé”.
Colocar a interpretação autorizada do Magistério,
denunciada como interpretação de classes, é afastar-se automaticamente da
Tradição. Chegando-se assim acolher as teses mais radicais da exegese
racionalista. Chegando-se assim a rejeitar, de um lado, a doutrina cristológica
apresentada pela Tradição e, de outro lado, pretende-se chegar ao “Jesus da
história” a partir da experiência revolucionária da luta dos pobres pela sua
libertação. A experiência dos pobres é vista como a que teria tido Jesus, os
quais estão lutando por sua libertação e somente ela seria capaz de revelar
Deus.
Assim a fé no Verbo encarnado, morto e ressuscitado, é
negada e assume-se o Jesus que resume em sim mesmo as exigências da luta dos
oprimidos. A morte de Cristo toma um sentido unicamente político, o que nega o
seu valor salvífico e toda a economia da redenção.
De modo geral, há uma nova interpretação que atinge o
todo do conjunto cristão e assim ocorre uma inversão dos símbolos:
Ø O
Êxodo é visto como um símbolo da libertação política do povo;
Ø Aplica-se
a vida eclesial e à constituição hierárquica da Igreja, as relações entre a
hierarquia e a “base” tornam-se relações de dominação que obedecem à lei das
lutas de classes. A sacramentalidade é reduzida a uma análise puramente
sociológica e simplesmente é ignorada.
Ø A
inversão dos símbolos no domínio dos sacramentos. A eucaristia torna-se
celebração do povo em luta. A eucaristia se torna, deste modo, Eucaristia de
classes.
XI – ORIENTAÇÕES
Chama-se atenção para os graves desvios que algumas
“teologias da libertação” trazem consigo não deve ser entendida como uma
aprovação aos que contribuem para uma manutenção da miséria dos povos. A Igreja
escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas as suas forças. E os
pastores, sacerdotes, religiosos e leigos são chamados a atender estes apelos e
trabalhar em comunhão com seus bispos e com a Igreja. Os teólogos, conscientes
do caráter eclesial de sua vocação, colaboram com um diálogo fiel com o
Magistério da Igreja, cujas orientações e palavras acolheram com respeito fiel.
Somente seguindo a tarefa evangelizadora e tendo como
pilares indispensáveis a verdade sobre Jesus cristo, a verdade sobre a Igreja,
a verdade sobre o homem e sua dignidade, tomadas à luz das bem-aventuranças,
é que a libertação autêntica tem sua
promoção. A Igreja deve falar em nome da verdade, levando em conta cada
realidade humana, cada injustiça, cada tensão, cada luta.
A defesa eficaz da
justiça deve apoiar-se na verdade do homem, criado a imagem de Deus e chamado a
filiação divina. O fundamento da justiça deve ser a relação do homem com Deus,
tendo este como regulador da relação dos seres humanos entre si. O combate pela
justiça exige que esteja de acordo com a dignidade humana e não baseado na
violência, a qual rebaixa a dignidade do homem.
Existe uma urgência de reformas radicais incidam sobre
estruturas que segregam a miséria e constituem, por si mesma, formas de violência.
Somente se obterá mudanças sociais se for feito um apelo às capacidade éticas
da pessoa e à constante necessidade da conversão interior. Não serão novas
estruturas que darão origem por si mesma a um “homem novo”, mas é o Espírito
Santo que é a fonte de toda verdadeira novidade.
O uso da violência revolucionária não é o começo da
instauração de um regime justo e a luta de classes é um mito que impede s
reformas e agrava a miséria e as injustiças.
Uma das condições para uma necessária retificação teológica
é a revalorização do magistério social da Igreja, que é aberto a todas as novas
questões dos tempos atuais. Do mesmo modo, a experiência daqueles que trabalham
diretamente na evangelização e na promoção do pobres e dos oprimidos é
necessária à reflexão doutrinal e pastoral da Igreja. O ensino da Igreja em
matéria social proporciona as grandes orientações éticas, mas para atingir
diretamente a ação necessita de pessoas competentes em todos os âmbitos
científicos, técnicos e no domínio das ciências humanas e da política.
As teses das “teologias da libertação” estão sendo
largamente difundidas em cursos de formação ou nas CEB’s para pessoas generosas que carecem de
formação e catequética e teológica. Por isso, faz-se necessária uma vigilância
ao conteúdo da catequética e das formações. Nesta apresentação integral do
mistério de cristão que as “teologias da libertação” tendem especialmente a
desconhecer ou eliminar.
CONCLUSÃO
Ratzinger encera o
texto citando as palavras de Paulo VI que exprimem a fé da Igreja, da qual ao
se afastar provocar-se-ão novas misérias e novas escravidões:
“Nós professamos que o Reino
de Deus iniciado aqui na Terra, na Igreja de Cristo, não é deste mundo, cuja
figura passa, e que seu crescimento próprio não se pode confundir com o
progresso da civilização, da ciência ou da técnica humanas, mas consiste em
conhecer cada vez mais profundamente as insondáveis riquezas de Cristo, em
esperar cada vez mais corajosamente os bens eternos, em responder cada vez mais
ardentemente ao amor de Deus e em difundir cada vez mais amplamente a graça e a
santidade entre os homens. Mas é este mesmo amor que leva a Igreja a
preocupar-se constantemente com o bem temporal dos homens. Não cessando de
lembrar a seus filhos que eles não têm aqui na Terra uma morada permanente,
anima-os também a contribuir, cada qual segundo a sua vocação e os meios de que
dispõem, para o bem de sua cidade terrestre, a promover a justiça, a paz e a
fraternidade entre os homens, a prodigalizar-se na ajuda aos irmãos, sobretudo
aos mais pobres e mais infelizes. A intensa solicitude da Igreja, esposa de
Cristo, pelas necessidades dos homens, suas alegrias e esperanças, seus
sofrimentos e seus esforços, nada mais é do que seu grande desejo de lhes estar
presente para os iluminar coma luz de Cristo e reuni-los todos nele, seu único
Salvador. Esta solicitude não pode, em hipótese alguma, comportar que a própria
Igreja se conforme às coisas deste mundo, nem que diminua o ardor da espera
pelo seu Senhor e pelo Reino eterno”[9].
Nenhum comentário:
Postar um comentário